Sem razão especial, a não ser o facto de ser uma "história" que me foi contada há muitos, muitos anos atrás, e que hoje, vá lá saber-se porquê, veio até mim logo pela manhã envolta na memória e na saudade de tempos idos.
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A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto:“Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos. Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido".
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Luís Bernardo Honwana, in Nós Matámos o Cão Tinhoso
2 comentários:
Parabéns, Maria José.
Que escolha tão bonita para abordar um asunto tão triste. Mas tem de ser encarado.
Ainda na passada sexta-feira, no âmbito de uma unidade da disciplina de História relativa aos encontros e confrontos da Humanidade, provocados pelos contactos entre os europeus com os ameríndios e as populações africanas após a era das Descobertas, visionámos na aula excertos do filme "Amistad". Filme intenso que provoca reacções... Deixo aqui o endereço do Youtube para visionarem um excerto deste filme, talvez o excerto mais intenso.
http://www.youtube.com/watch?v=Vo-JejTp7O4
Há que reflectir... o passado já lá vai, mas o presente permite ainda tantas formas de falta de respeito pela diferença, seja ela qual for...
Um abraço.
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