segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Ler é poder

Um poema magnífico de Carlos Tê a que a voz de Rui Veloso deu o sentimento de todos aqueles que, não sabendo ler, "sentem o escuro dentro de si, se sentem pederneira, ficam sentados à soleira a ouvir os ruídos do mundo".
Já dizia o poeta "Há mais luz nas letras do alfabeto que em todas as estrelas do universo."

A gente não lê

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós,
Rezar o terço ao fim da tarde,
Só pr'a espantar a solidão,
E rogar a Deus que nos guarde,
Confiar-lhe o destino na mão.

Que adianta saber as marés,
Os frutos e as sementeiras,
Tratar por tu os ofícios,
Entender o suão e os animais,
Falar o dialecto da terra,
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais.

E do resto entender mal,
Soletrar assinar de cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz.

Ai senhor das furnas,
Que escuro vai dentro de nós,
A gente morre logo ao nascer,
Com os olhos rasos de lezíria,
De boca em boca passando o saber,
Com os provérbios que ficam na gíria.

De que nos vale esta pureza,
Sem ler fica-se pederneira,
Agita-se a solidão cá no fundo,
Fica-se sentado à soleira,
A ouvir os ruídos do mundo,
E a entendê-los à nossa maneira.

Carregar a superstição,
De ser pequeno ser ninguém
Mas não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem.


1 comentário:

Francisco disse...

O último que li foi o "Priorado do Cifrão" do João Aguiar recomendo vivamente.