segunda-feira, 7 de junho de 2010

Prémio Camões 2010

O Prémio Camões foi criado em 1989 e é o prémio de maior prestígio da língua portuguesa, tendo como objectivo distinguir um escritor cuja obra contribua para a projecção e o reconhecimento da língua portuguesa.
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O poeta e dramaturgo brasileiro Ferreira Gullar é o mais recente distinguido com este prémio.
Nascido a 10 de Setembro de 1930, na capital do estado brasileiro do Maranhão, e a viver actualmente no Rio de Janeiro, tem uma longa carreira literária e de intervenção social e política.
Sempre bastante activo, mesmo com as restrições impostas pelo regime militar de 1964, foi preso e entrou na clandestinidade, seguindo-se o exílio em Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires até ser absolvido e poder regressar.
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Em 2009, foi considerado uma das cem mais influentes personalidades do Brasil. Ou seja, um "resmungão", como ele próprio se assume, social e intelectualmente activo.
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Um poema de Ferreira Gullar que despertou a vontade de o ler.
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Metade
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Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflicta em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
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