José Régio escreveu, João Villaret disse (e como disse!)
Vinicius de Moraes escreveu e nós lemos, dizemos...
O Poeta e a Rosa
(e com direito a passarinho)
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
- Que foi? - balbucia o poeta
E a rosa: - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra
- Milhões a morrer de fome!
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as fora, como a dar comida
A todas essas crianças
O poeta baixa a cabeça.
É aqui que a rosa respira...
Geme o vento.
Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.
4 comentários:
"Como tudo o que é autenticamente humano, a poesia merece ser comemorada. Sendo um género discursivo de acesso difícil — como quase tudo o que é profundo e superior —, acaba por ser pouco lida. Abstraindo do facto de os portugueses sofrerem de uma iliteracia endémica o que tem como consequência baixos níveis de leitura ou a redução do acto de ler a textos sem qualidade, a poesia é — pelo simples facto de ser uma leitura empenhativa — pouco desfrutada.
É raro aparecerem edições de poesia com uma tiragem superior a quinhentos exemplares; o que é manifestamente pouco. Atendendo ainda ao facto de as editoras orientarem a sua acção para a obtenção de lucro, a poesia circunscreve-se a um pequeno núcleo no meio editorial português. Há excepções, mas quase sempre implicam a escolha de grandes nomes, já consagrados, cuja venda está praticamente assegurada, que mais não seja para embelezar a estante da sala de estar de um qualquer exibicionista.
Toda a obra de arte, na medida em que o é verdadeiramente, é uma ruptura — conseguida ou falhada — com o que foi produzido, em termos artísticos, até então. O poeta — como todo o artista — pretende criar uma nova linguagem, dentro dos limites que as línguas naturais lhe oferecem.
O acto criador é penoso e requer, para além do engenho inerente ao indivíduo, muito investimento, bastante esforço e uma dose abundante de ousadia. Sem capacidade inata, nenhuma obra de arte surge, embora, só por si, as qualidades individuais não bastem. A escassez de acesso a bens culturais, o pouco investimento no trabalho ou a preguiça são factores importantes que determinam o fracasso de um eventual artista.
Assim sendo, é de louvar a existência de um dia comemorativo daquela que é uma das formas mais elevadas de expressão humana. Quem dera que as escolas assinalassem esta efeméride, motivando os alunos para a leitura e compreensão da poesia e até eventualmente para a prática da produção poética. Algumas fazem-no; mas outras, mergulhadas na eterna burocracia de que teimosamente não prescindimos, esgotam as suas energias em papelada inútil, sobejando pouco tempo e motivação para se dedicarem ao que é verdadeiramente importante.
Termino com um texto poético, uma vez que não há nada melhor para se entender o que é a poesia do que unindo-nos apaixonadamente a ela"
Publicado hoje mesmo por Jorge Paulo em http://jorgepaulo.blogs.sapo.pt/
Tive o privilégio de poder assistir à declamação de poesia, pelo Nuno Miguel Henriques, neste Dia Mundial da Poesia, em pleno Tejo. A poesia ganhou outra vida e a minha alma ficou mais lavada...
Ainda sobre o "Cântico Negro", do grande José Régio, o João Villaret é único, mas não queria deixar de partilhar a beleza da declamação deste poema por parte da Maria Bhetânia: http://www.youtube.com/watch?v=736tn8uB1cA
Obrigado, Maria José, pela partilha.
Obrigado, poetas, pela vossa obra.
bom comeco
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